terça-feira, 26 de julho de 2011

Contexto sócio histórico - Leis de incentivo à cultura no Brasil


(Acabei de finalizar minha Iniciação Cientifica,  pesquisa intitulada: “Um projeto cultural e um cartaz: gênero e endereçamento analisados a partir de conceitos de Bakhtin” e um dos capítulos desenvolvidos,  e que ja apareceu aqui antes, fala sobre o assunto de interesse do meu Blog. Aproveito para expor esse capitulo finalizado e compartilhar com vcs. No final exponho a bibliografia completa usada na pesquisa... Um dia publicarei a pesquisa na internet, mas primeiro vamos a parte mais legal e interessante à todos... Aproveitem, usem, abuse, mas me citem... rs
Cap3. Contexto Sócio histórico: 
(trecho da pesquisa de Iniciação Científica no curso de Letras - USP,  produzida entre março de 2010 e julho de 2011)
No início dos anos 70, mas principalmente nos anos 80, com o final da ditadura e a redemocratização, o Brasil iniciou uma nova fase de desenvolvimento social e econômico, com a necessidade de desenvolvimento regional e ampliação de interesses do estado para as necessidades do povo. Uma das principais vertentes que impulsionava esse novo Brasil mostrou-se a partir das diversas entidades sem fins lucrativos, conhecidas como ONGs, que surgiram e se multiplicaram rapidamente por todo país.
 O fortalecimento da sociedade civil no Brasil começa no período de ditadura militar, na década de 1970, mesmo com as restrições impostas pelo Estado à participação e à liberdade de expressão dos cidadãos. Pequenas iniciativas foram sendo gestadas pela sociedade civil, buscando espaços para a manifestação e reivindicação, frente ao Estado autoritário. (MOTTER, 2006, p. 30).
O aparecimento de milhares de instituições por todo país gerou uma nova necessidade de investimentos, para que as instituições que realizavam trabalhos sociais em comunidades periféricas pudessem desenvolver projetos nas mais diversas áreas (TURINO, 2009, p.133). O novo setor econômico, o chamado Terceiro Setor, é responsável pelo desenvolvimento de ações sociais baseadas principalmente no recebimento de investimentos para projetos, muitos deles vinculados à cultura. A rápida expansão do Terceiro Setor trouxe ao Estado a necessidade de organizar a distribuição de investimentos, principalmente em relação a atividades ligadas à cultura. Uma das alternativas encontradas pelo governo federal foi a implantação de leis de incentivo à cultura que regulassem essa distribuição. “As leis de incentivo à cultura que foram criadas no Brasil espelham essa tentativa de criar um Terceiro Setor com nova roupagem, com Estado e Empresa Capitalista esboçando movimentos de parceria.” (COSTA, 2006, p.10)
É importante lembrar que durante o período da ditadura militar, entre os anos de 1964 e 1975, principalmente no período de vigência do cerco do AI-5 de 1968 a 1972, a cultura brasileira foi reduzida e censurada pelo governo.

Logo após o golpe, os militares desencadearam forte repressão aos setores da produção cultural que mantinham algum tipo de vínculo com os movimentos populares politicamente organizados como era o caso dos Centros Populares de Cultura, criados pela UNE. Com o AI-5 passaram a censurar e reprimir todo tipo de atividade cultural. (FRANCO, 1997, p.11)
De acordo com Franco, a intenção da ditadura era “calar a voz da sociedade (...) desejava estabelecer um verdadeiro ‘vazio cultural’, criando um estado de indiferença das massas” (FRANCO, 1997, p.13).  A dissolução da ditadura foi promovida com apoio de muitos artistas. A cultura brasileira parecia entrar numa nova época, onde artistas espalhados por todo país retornaram a produzir cultura de alguma maneira. O início de uma nova política cultural era uma necessidade básica no país. “Na década de 1980 em quase todos os países da América Latina, tem início um processo de democratização. Esse processo teve a participação das ONGs, que já faziam muitas reivindicações (...) (MOTTER, 2006, p. 30).
Outro ponto de grande relevância na construção de uma crescente economia cultural no Brasil foi a rápida expansão da indústria cinematográfica brasileira. Nos anos 70 o número de salas de cinema no país era ínfimo. “No período da ditadura diversas salas foram fechadas ou mesmo desativadas. (...) A partir de 2000 com o advento da Lei do Audiovisual houve uma retomada na produção de filmes de longa metragem.” (OLIVEIRA, 2007, p. 03) De acordo com a pesquisa realizada por Oliveira, em 1995, os investimentos deste setor não passavam dos 5 milhões de reais ao ano. Já em 2003, três anos após o advento da Lei do Audiovisual, o investimento anual em cinema já ultrapassava os 70 milhões de reais.
Inspirado por programas desenvolvidos em outros países, José Sarney criou em 1972 um projeto de lei, aprovado apenas em 1986 como a lei federal 7.505/86, que visava o incentivo de “conceder benefícios fiscais, na área do Imposto de Renda, a toda operação de caráter cultural ou artístico.” A Lei Sarney previa além do benefício a instituições sem fins lucrativos, também o incentivo a empresas produtoras de fins culturais e com fins lucrativos e para proponentes pessoa física (MACHADO NETO, 2004). O caráter democrático da lei instituída possibilitou a qualquer brasileiro nato desenvolver alguma forma de arte, apoiado com recursos financeiros geridos pelo Estado. Porém, em 1990, já na gestão de Fernando Collor de Melo, o Ministério da Economia pediu a revogação de diversas leis por suspeita de desvio de verbas, entre elas a Lei Sarney. O então presidente “não só cassou os incentivos fiscais, como também Fundos Públicos, deixando a classe cultural sem ter para onde correr” (OLIVIERI, 2006, p.83)
A Lei Sarney foi substituída em 1991 pela Lei 8.313/91, conhecida como Lei Rouanet ou Lei de incentivo federal à cultura. Desde então muito aconteceu na esfera cultural brasileira.
O grau de dificuldade dessas mudanças (socioculturais) pode ser medido pelos acertos e erros que as primeiras leis de incentivo promoveram, como falta de clareza em seus objetivos; parca fiscalização dos processos e falta de controle dos resultados; identificação dessas iniciativas com área de marketing das empresas, despreparo dos segmentos mais necessitados para os processos de captação de recursos e falta de informação a respeito de empresas e organizações sociais interessadas nessa parceria. (COSTA, 2006, p.10).
Anualmente centenas de projetos culturais são inscritos em mecanismos de leis de incentivo à cultura nos quatro cantos do país. A política cultural no Brasil, bem como o incentivo a novas possibilidades de viabilização da produção cultural, tem sido assunto de grande importância na construção social brasileira. De acordo com pesquisa realizada pelo Ministério da Cultura em 2008, calcula-se que em média doze mil novos projetos culturais candidatam-se ao certificado oferecido pelas leis de incentivo à cultura vigentes no país anualmente. Os dados informam que os investimentos, apenas com o mecanismo da lei Rouanet, evoluíram de 111 milhões de reais em 1996, para mais de 1,2 bilhões de reais em 2007.  Outra pesquisa realizada pelo Ministério da Cultura demonstrou que a cultura em 2003 era responsável por 9% em média dos gastos das famílias brasileiras, chegando a quase 14% em 2008, perdendo apenas para necessidades básicas como alimentação, transporte e moradia (IBGE, 2003).
 Aliado a esse panorama federal, temos os mecanismos das esferas governamentais menores, como as leis de incentivo à cultura estaduais e municipais. A cidade de Vitória (ES) foi pioneira na criação de uma lei de incentivo cultural em âmbitos municipais, seguida, meses depois, pela criação da lei municipal na cidade de São Paulo. Logo depois, no ano de 1992, o estado do Rio de Janeiro criou a primeira lei estadual de incentivo à cultura estadual. Até 2003, dezessete estados do Brasil contavam com lei de incentivo de âmbitos estaduais e municipais (OLIVIERI & NATALE, 2003, p. 72). Hoje, de acordo com dados do Ministério da Cultura, estima-se que vinte e quatro estados brasileiros já dispõem de algum tipo de mecanismo estadual de incentivo fiscal à cultura. Os números totais relativos aos municípios ainda é desconhecido, mas estima-se que todas as capitais estaduais já dispõem para a população algum tipo de lei de incentivo à cultura. 
Apenas no ano de 1996, o estado de São Paulo regulamentou a lei estadual de incentivo à cultura, a lei 8.819/94, também conhecida como LINC (Lei de Incentivo à Cultura). Porém no ano de 1999, a lei foi “engavetada” e nenhuma ação cultural pode utilizar seus benefícios. Até que, em 2006, após muitas manifestações e pedidos de artistas e diversas entidades ligadas à cultura, a regulamentação de uma nova lei estadual de incentivo à cultura aconteceu. O programa de incentivo à cultura do estado de São Paulo, o PAC (Programa de Ação Cultural), regulamentado pela lei 12.268/2006, foi chamado a partir do ano de 2007 de PROAC para que não houvesse coincidência com o programa de economia federal, homônimo, lançado pouco tempo depois. A nova lei paulista trouxe um caráter inovador às leis de incentivo à cultura em todo país por meio da informatização digital para a inscrição de projetos, proporcionando uma maior democratização de acesso de informações, com os trâmites via internet (RODRIGUES, 2002, p. 02).
Essa nova vertente econômica social de incentivo à cultura, além de gerar dezenas de novos postos de trabalho e implementar a cultura no Brasil com investimentos, trouxe também a necessidade de uma nova linguagem específica para o novo setor econômico que surgia.  A necessidade de um novo tipo de profissionais para o mercado cultural gerou a necessidade de qualificação acadêmica e técnica. Principalmente nos estados do sudeste e nordeste, diversos cursos livres, cursos de graduação e de pós- graduação surgiram nos últimos 10 anos refletindo a nova vertente social e econômica proporcionada pela multiplicação das leis de incentivo à cultura. Consequentemente surgiram também novas publicações, desenvolvidas para orientar e facilitar a criação e a gestão destes projetos culturais. Por este motivo achamos imprescindível uma pesquisa que buscasse entender a composição textual destes projetos culturais, como estes dialogam com a sociedade e com o público alvo a que se destinam. 
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